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Sobre Fenomenologia e PBE


"É inverno. A noite está caindo e eu me levanto para acender a luz. Olhando para fora, vejo que começou a nevar. Tudo está coberto pela neve brilhante, que está caindo silenciosamente do céu encoberto. A gente caminha sem ruído ao longo da minha janela. Ouço alguém sacudir a neve dos seus pés. Esfrego as mãos e aguardo a noite com satisfação, pois, faz alguns dias, telefonei a um amigo convidando-o a vir ter comigo esta noite. Dentro de uma hora estará batendo à minha porta. A neve lá fora parece que dará à sua visita um caráter ainda mais agradável. Ontem comprei uma boa garrafa de vinho, que coloquei a distância apropriada do fogo. Sento-me à mesa para responder algumas cartas. Meia hora mais tarde, toca o telefone. É o meu amigo, a dizer que não poderá vir. Trocamos algumas palavras e marcamos encontro para outro dia. Quando torno a colocar o fone no gancho, o silêncio do meu quarto ficou ainda mais profundo. As próximas horas se parecem mais longas e mais vazias. Coloco mais uma acha de lenha no fogo e volto à minha escrivaninha. Dentro de alguns momentos estou absorto num livro. O tempo passa lentamente. Ao levantar os olhos por um momento, para refletir sobre um trecho pouco claro, a garrafa, perto do fogo, chama a minha atenção. Percebo mais uma vez que o meu amigo não virá e volto à minha leitura. [...] O psicólogo positivista ou behaviorista, imbuído de ciência física, irá dizer que tudo isto é pura poesia. Ele me explicará que, na verdade eu vi uma garrafa de vinho com um um rótulo etc., mas que eu adornei essa observação com assuntos que não lhe dizem respeito. Eu contaminei a observação mediante a projeção de uma condição, ou seja, a condição de estar desapontado e solitário. Posso responder a isso com o seguinte comentário: Se fosse minha projeção que eu estava vendo, não teria eu observado minha solidão mais distintamente, menos adulterada, com mais realidade e mais diretamente, se eu tivesse perguntado como me sentia, não à garrafa mas a mim mesmo? A introspecção me teria mostrado como me sentia. Pois bem, parece que não é assim. Sempre que pergunto a mim mesmo, pela introspecção, como me sinto, em vez de obter uma compreensão mais refinada obtenho uma compreensão menos clara."

J. H. Van den Berg - O Paciente Psiquiátrico (Cap. II)


Escolhi iniciar essa postagem com essa longa citação de Van den Berg porque acredito que ela resume bem a diferença de concepção do que vem a ser evidência para a Psicologia fenomenológico-existencial e para a chamada Psicologia baseada em evidências (PBE). A primeira questão que devemos discutir é o sentido de evidência. Para a PBE a evidência é um sinônimo de comprovação de eficácia. Ela se pauta por um paradigma estatístico-probabilístico, depositando toda sua fé no aparato matemático e nas mensurações empíricas. Com isso se chegaria ao tratamento mais adequado para cada situação. Para isso no entanto, necessitamos de mais um pressuposto: é preciso classificar a doença para que se possa decidir o tratamento mais adequado. Vejam que a evidência, nesse caso, é o menos óbvio, o menos direto. E nós da fenomenologia somos acusados de poesia. Seria essa acusação realmente um desaforo? Qual seria o problema de manter um olhar poético para a realidade? O webinar realizado pelo IFEN discutindo as PBE's trata exatamente dessa questão. Deixo o vídeo abaixo para quem quiser assisti-lo.


Deixo também uma playlist do canal Fronteiras da Fenomenologia no Youtube, com nossos vídeos discutindo as PBE's:



Como palavra final, recomendo aos propagadores das PBE's estudar um pouco menos método científico, um pouco mais epistemologia, e definitivamente mais filosofia. O sentido de evidência na fenomenologia encontra-se depositado em seu caráter mais originário, o de verdade como aletheia (desvelamento) e não como veritas (correção). Embora não se deva negar a funcionalidade das PBE's, questionamo-nos se seus achados são realmente verdadeiros no sentido do que é desvelado no próprio existir daquele que busca ajuda. Mais que um representante da generalidade, mantemos o olhar poético para a singularidade daquele que se encontra em sofrimento psíquico. Sendo assim, a fenomenologia faz frente às PBE's, em sua diferença, e também possui seu lugar de importância. É com ela que aprendemos a ver de maneira direta e simples, ainda que sejamos chamados de poetas.

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