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O que é Psicologia Fenomenológico-Existencial?

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Introdução, Definição e o Abandono dos Paradigmas Tradicionais

Sejam bem-vindos a esta exploração profunda sobre a Psicologia Fenomenológico-Existencial (PFE). Se você já se perguntou o que realmente constitui essa abordagem, prepare-se para desconstruir a visão tradicional da psicologia.

 

A PFE não é apenas mais uma teoria; ela emerge de uma crise da subjetividade moderna e representa um rompimento radical com os pressupostos metafísicos que historicamente moldaram a maior parte das práticas psicológicas.

 

O que a PFE Procura e O que Ela Rejeita?

A proposta central da PFE é pensar a psicoterapia em termos do próprio existir. Ela busca a elaboração de uma clínica psicológica fundamentada na Fenomenologia e na Filosofia da Existência, que possa romper com a posição substancialista e dicotômica do homem.

 

Para trilhar esse caminho, a PFE exige o abandono de certas concepções fundamentais da ciência psicológica tradicional:

1. Rejeição do Psiquismo como Substância: A PFE se afasta da ideia de um aparato psíquico. Em vez de um eu encapsulado, que se exterioriza, a PFE assume que o homem é uma abertura em devir (vir-a-ser).

2. Abandono do Dualismo: A abordagem prescinde da dicotomia entre interioridade e exterioridade, ou entre corpo e mente, que fundamentou os modelos da Psicologia moderna. O que está em jogo é a relação originária do homem com o mundo.

3. Superação do Determinismo: A PFE rompe com qualquer determinismo, seja ele comportamental ou psicodinâmico. O homem é tomado como um ente dotado do caráter de poder-ser, cuja existência é indefinida, constituindo-se como paradoxo.

 

Assim, a PFE se propõe a ser uma psicologia sem psiquismo. O eu não é um ponto de articulação entre o interior e o exterior; ele é um fluxo temporal e uma ausência dinâmica em jogo com o mundo.

 

As Raízes Filosóficas I: Husserl, Kierkegaard e a Crítica ao Sujeito

A solidez da Psicologia Fenomenológico-Existencial reside diretamente nas contribuições de dois gigantes da filosofia: Edmund Husserl, com a Fenomenologia, e Søren Kierkegaard, com a Filosofia da Existência.

 

1. Søren Kierkegaard: O Existir como Movimento e o Resgate da Singularidade

Kierkegaard, considerado o filósofo da existência por excelência, dedicou-se a questionar e criticar o conhecimento vigente e alertava para o perigo da perda da singularidade do homem na multidão e nas escolhas ditadas pelo "todo mundo".

Elementos Kierkegaardianos Essenciais para a PFE:

O Eu como Movimento: O eu não é uma substância, mas um movimento, um eterno vir-a-ser, constituindo-se na relação que a própria relação estabelece consigo mesma e com o mundo. A perda do eu ocorre quando esse movimento paralisa.

Angústia e Liberdade: Kierkegaard definiu obras como O Conceito de Angústia e O Desespero Humano como destinadas à psicologia. Ele situa a psicologia no lugar da angústia e da indecisão, onde o homem, em liberdade, opta por determinado modo de existir. A liberdade é constitutiva da existência humana, e a não-liberdade constitui-se como estado de queda.

Superando a Máxima Tradicional: A análise existencial, inspirada em Kierkegaard, propõe retirar-se da máxima do "conheça-te a ti mesmo" para assumir a posição do "eleja-se a si mesmo".

 

2. Edmund Husserl: A Fenomenologia e a Consciência Intencional

Husserl rompe com a ideia de um psiquismo constituído e critica veementemente o psicologismo e a atitude natural (ingênua), comum na ciência e no senso comum.

Atitude Antinatural: A fenomenologia exige uma atitude antinatural, que consiste na suspensão de todas as teorias e pressuposições sobre o fenômeno. Sem essa suspensão, o fenômeno desaparece.

Consciência Intencional: Husserl descortina a natureza intencional dos fenômenos psíquicos. A consciência, para ele, é transcendente, pois está sempre projetada por seus próprios atos para o campo dos objetos correlatos.

O Eu Fenomenológico: O eu não possui nenhuma determinação prévia nem é substancial. É uma síntese de vivências intencionais, um fluxo que reatualiza o presente, o passado e o futuro.

 

As Raízes Filosóficas II: Heidegger e a Ontologia do Existir

Martin Heidegger, discípulo de Husserl, radicaliza a fenomenologia, conduzindo-a a uma Ontologia Fundamental, que serve como um dos pilares mais sólidos da PFE.

 

1. A Analítica do Dasein

Heidegger abandona a referência à consciência, mantida por Husserl, e se dedica à Analítica do Dasein (Ser-aí), que é a análise ontológica das estruturas da existência humana. O objetivo principal de Ser e Tempo não é apenas o esclarecimento da essência do homem, mas sim do sentido do Ser enquanto tal.

Dasein e Ser-no-mundo: O Dasein é o ente que se coloca a questão sobre o sentido do ser. Sua estrutura ontológica se constitui como ser-no-mundo, sendo esta uma unidade estrutural originária, na qual homem e mundo são co-originários e indissociáveis.

Existência como Abertura: A existência (Ek-sistência), nesta visão, é uma das contribuições mais fundamentais à psicologia. O prefixo “ex” significa “fora de” ou “aí” (Da). Existência não é o fato bruto de ser, mas uma abertura originária ao ser dos entes. O Dasein é, portanto, uma abertura e ausência dinâmica em jogo com o mundo.

 

2. Superação da Metafísica e do Humanismo

Heidegger promove uma destruição fenomenológica da história da ontologia e da ideia de subjetividade, visando superar a metafísica:

Crítica ao Humanismo: Heidegger afirma que todo humanismo recai em uma metafísica. Ele criticou a ética humanista e a ideia de que a existência precede a essência, presente no existencialismo sartreano (embora Sartre também seja uma referência para a PFE).

Liberdade Ontológica: A liberdade não pertence ao ser do homem, mas é o ser do homem que pertence à liberdade. A ek-sistência não é pensada como uma espécie particular de ser vivo (como na tradição humanista), mas como o estar na clareira do Ser.

A PFE e o Sentido do Ser: A PFE se baseia na Fenomenologia Hermenêutica de Heidegger, que permite pensar um saber em Psicologia no qual se torna desnecessário um objeto posicionado, delimitado e substancializado. O que interessa é a articulação ser-aí/mundo.

 

O Método Fenomenológico-Hermenêutico (Metà-hodós)

Se a PFE rejeita o método científico-natural, como ela procede na investigação do existir? Utiliza-se o Método Fenomenológico Hermenêutico, que se apoia na noção grega de Metà-hodós.

 

1. O Sentido de Metà-hodós

A noção originária de metà-hodós (método) implica que o caminho se faz ao caminhar, e não a antecipação de um caminho certo e reto. O método não é uma técnica para manipulação de objetos, nem uma "vazia descrição da técnica". O método fenomenológico é, antes de tudo, uma atitude.

 

O lema orientador é: "Rumo às coisas em si mesmas".

 

2. Os Momentos Imprescindíveis da Investigação Fenomenológica

A investigação do fenômeno deve ser rigorosa e seguir a atitude antinatural postulada por Husserl. A Fenomenologia busca o fenômeno em seus modos de explicitação — na aparência, na manifestação, no entulhamento. O fenômeno é tudo o que se dá a conhecer.

Os três momentos constitutivos do método fenomenológico, que a PFE deve manter, são:

1. Redução Fenomenológica (Epoché): Consiste em suspender toda e qualquer teoria ou pressuposto sobre a consciência, bem como as hipostasias realistas ou idealistas.

2. Descrição dos Vetores Internos ao Fenômeno: O investigador acompanha a própria constituição do fenômeno em ato. A pergunta não é o quê da coisa, mas o como.

3. Explicitação da Experiência: Alcança-se a essência do fenômeno.

 

3. A Perspectiva Hermenêutica

Heidegger adiciona a perspectiva hermenêutica ao método. A compreensão (hermenêutica) é uma condição ontológica constitutiva do Dasein e precede qualquer interpretação.

 

A circularidade hermenêutica aponta que o ser-em já sempre compreende, e que toda compreensão apresenta previamente uma visão, uma posição e uma concepção. Na clínica, o que se interpreta são os encontros de horizontes (o que se fala e o que se escuta).

 

Crítica aos Conceitos Psicológicos Metafísicos

Em função do abandono do dualismo e da metafísica do sujeito, a PFE se posiciona criticamente contra conceitos tradicionais da psicologia que dependem de uma visão interiorizada ou substancializada do homem.

 

1. Rejeição à Causalidade e Interioridade Psíquica

A Psicologia moderna, ao buscar a objetividade, procura o sujeito como substância (aparelho psíquico, personalidade, pessoa), dotada de propriedades e leis de funcionamento. As teorias psicológicas tradicionais elaboram cartografias do eu, fundamentadas na ideia de um eu interiorizado.

 

A PFE, por outro lado, sustenta que o modo de ser originário do homem inviabiliza na raiz todo e qualquer solipsismo e que a substancialização do psiquismo não é condição necessária para a prática clínica.

 

2. Crítica a Projeção, Conversão, Transferência e Inconsciente

O psiquiatra fenomenologista J. H. Van Den Berg criticou agudamente os conceitos fundamentais vigentes na psiquiatria de orientação freudiana, como projeção, conversão, transferência, mitologização e inconsciente.

Projeção, Conversão e Transferência: São vistos como julgamentos padronizados que mistificam a realidade por meio de uma teoria fácil e incorreta. A projeção, por exemplo, pressupõe que uma disposição de ânimo anômala possa sair do paciente e incorporar-se a objetos externos. A PFE refuta isso, pois os objetos (o mundo) e o ser humano estão ligados de forma íntima, sendo errado separá-los.

Inconsciente: O fenomenologista nunca tem necessidade de hipóteses como o inconsciente. As hipóteses surgem quando a descrição da realidade termina prematuramente. Para o fenomenologista, não há camadas além da vida em si; é na própria vida em si que jaz a profundidade desta vida.

 

3. O Existir Humano e o Mundo

O contato humano não é achado em uma conexão entre pessoas (entre vazio), mas se refere a objetos, deveres, interesses, planos, ou seja, no que existe aí fora. O contato é original com os objetos. Frequentemente, nós é que somos os objetos (o sapateiro se transforma no sapato que remenda).

 

As Tonalidades Afetivas Fundamentais e a Liberdade

No lugar de um psiquismo, o existir humano é compreendido por tonalidades afetivas fundamentais, que revelam o caráter de indeterminação e vulnerabilidade da existência. Dentre elas, destacamos a angústia e o tédio.

 

1. A Angústia (Atmófera da Psicologia)

Kierkegaard considera a angústia como central e Heidegger trata a angústia como uma tonalidade afetiva fundamental.

Angústia como Determinação Existencial: A angústia é considerada a atmosfera mais característica da Psicologia. É uma determinação existencial que assume formas particulares na vida de cada um.

Abertura e Possibilidade: A angústia é o lugar da indeterminação e da possibilidade. Ela nos coloca frente à nossa liberdade. No âmbito da angústia, que é o interlúdio, "tudo é possível".

Singularização: A angústia, juntamente com a finitude (ser-para-a-morte), mobiliza o que é mais próprio do ser-aí, seu caráter de indeterminação, e possibilita a singularização.

 

2. O Tédio e a Era da Técnica

O tédio (ou a tonalidade afetiva do tédio) é considerado uma tonalidade afetiva fundamental por Heidegger e Medard Boss. Boss aponta o tédio como a tonalidade afetiva que abarca o homem no horizonte da técnica.

Tédio como Esvaziamento: O tédio, longe de ser um estado passageiro, é uma suspensão radical do horizonte de sentido do existir. Ocorre quando o homem está esgotado pelos sentidos do mundo e se vê confrontado com uma indiferença radical. O tédio é o esvaziamento e o desenraizamento do homem com seu sentido mais originário: a existência.

A Tópica Atual: Na época da técnica, a tópica clínica passa da sexualidade (na época de Freud) para a compulsão e o tédio.

 

3. Liberdade, Culpa e Ser-para-a-Morte

O existir humano é puro poder-ser, no horizonte intransponível da temporalidade e do ser-para-a-morte.

• A verdade na existência está em íntima conexão com a liberdade, entendida como desvelamento (aletheia). O sofrimento se manifesta na restrição existencial, quando o homem se torna vulnerável às crenças impessoais.

• A culpa e a responsabilidade são palavras válidas na existência. A responsabilidade (capacidade de responder) é uma ampliação da liberdade.

 

A Clínica Fenomenológico-Existencial: Cuidado e Technē

A prática clínica na PFE se pauta na Analítica do Dasein, exercida de modo ôntico (abordando problemas existenciais).

 

1. O Cuidado (Sorge) e a Relação Libertadora

O cuidado (Sorge) é o existencial que constitui a totalidade da unidade estrutural do Dasein. A psicoterapia, enquanto "cuidado pela vida", é o estar-com que corresponde ao outro enquanto abertura às suas possibilidades de ser.

Postura Terapêutica: A atitude clínica exige o abandono de toda postura técnica e voluntarista. O terapeuta se coloca numa atitude fenomenológica (antinatural), suspendendo seu olhar científico-natural.

Tipos de Cuidado (Pré-ocupação): A relação pode se dar como:

    ◦ Pré-ocupação Substitutiva (Dominadora): O psicoterapeuta assume a tutela do outro e diz o que ele deve fazer. Isto deve ser evitado.

    ◦ Anteposição Libertadora: Devolve o cliente a si mesmo. O analista dá um passo atrás, possibilitando que o cliente se aproprie do seu poder-ser.

O Analista: O analista não diagnostica nem interfere; ele incita a descrição do que está acontecendo, para que a questão apareça para o próprio cliente. Ele deve ser desapegado, com atenção serena.

 

2. Técnica (Technē) e Comunicação Indireta

A clínica fenomenológico-existencial busca se afastar da técnica moderna (instrumental).

Technē como Desvelamento: O psicoterapeuta atua ao modo da Technē, no sentido originário grego de desvelamento. Sua produção consiste em deixar aparecer aquilo que tinha possibilidades de ser.

Comunicação Indireta: É essencial para que o cliente ganhe transparência e se reconheça em suas escolhas. O terapeuta, agindo como ajudante (no sentido kierkegaardiano), usa a comunicação indireta para chegar ao outro sem que ele perceba a intenção de confrontá-lo ou questioná-lo.

Superação da Confissão e Verdade: A PFE se opõe às práticas clínicas confessionais, que pressupõem uma verdade (saber de si, veritas) a ser conquistada ou revelada. A PFE entende a verdade como aletheia (desvelamento), buscando um modo de clínica que se estabeleça na ênfase ao cuidado de si e não no saber de si.

 

Distinções Cruciais (PFE vs. Humanismo) e Conclusão

Para finalizar, é crucial demarcar as diferenças entre a PFE e outras abordagens, especialmente a Psicologia Humanista, com a qual é frequentemente confundida.

 

1. Fenomenológico-Existencial vs. Existencial-Humanista

Embora ambas sejam chamadas de perspectivas existenciais e rompam com o determinismo, a diferença essencial está nos fundamentos.

 

Característica

Psicologia Fenomenológico-Existencial (PFE)

Psicologia Existencial-Humanista

Fundamento Ontológico

Rejeita a metafísica e a noção de subjetividade/self. O homem é ausência de essência (negatividade).

Mantém pressupostos metafísicos, como a ideia de um self e potencial ao crescimento.

Objetivo Clínico

Ajudar o homem a conquistar sua liberdade (desvelamento). Ênfase na possibilidade.

Promover a autorrealização, visando a um ideal psíquico (saúde).

Visão Crítica

Assume o radical abandono da metafísica e a destruição filosófica (Heidegger) do humanismo.

Tentou superar a determinação psíquica, mas ainda carecia de fundamentos para tal.

 

A PFE se opõe à positividade do eu defendida pelo humanismo, pois esta mantém a ideia de uma interioridade mais autêntica. Heidegger afirma que todo humanismo recai numa metafísica.

 

2. O Legado e a Atuação da PFE

A PFE busca uma articulação de um pensamento reflexivo sobre a psicoterapia que não seja um processo interventivo, mas que exerça o cuidado no acontecer do outro. O foco é a reapropriação do cliente do seu próprio existir.

Rompimento com a Cientificidade: A PFE se desloca de uma perspectiva científica que busca a determinação unívoca e a ausência de singularidade.

O Ofício do Psicólogo: O terapeuta é fadado a viver o paradoxo, pois ele também vive a angústia pela indeterminação de seu caráter. A PFE não é um conjunto rígido de técnicas, mas princípios filosóficos orientadores — e não limitadores de uma ação.

 

A PFE se afirma como um caminho rigoroso, voltado para a existência concreta, onde a singularidade é incontornável, e o objetivo é sustentar a abertura para que novas possibilidades apareçam.


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