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Como conduzir a 1a sessão em psicoterapia?

Atualizado: 12 de mar. de 2024


Você também pode ouvir o conteúdo dessa postagem, se preferir:

Uma dúvida que surgiu lá no Instagram nessa virada de ano diz respeito a como conduzir a "entrevista inicial" ou "1ª sessão em psicoterapia". Pode parecer uma dúvida boba, coisa de quem está iniciando na clínica. Mas a verdade é que não é bem assim, e explico o porquê: Em perspectivas psicológicas mais sistemáticas e estruturadas, é comum haver um roteiro ou ao menos alguns parâmetros que guiem o primeiro atendimento. No caso da Psicologia fenomenológico-existencial a coisa se complica um pouco.


Em geral, na Medicina e na Psicologia, o primeiro contato com a pessoa que busca tratamento é um momento de "anamnese". A anamnese consiste em uma entrevista com finalidade diagnóstica. Dessa maneira, as perguntas são dirigidas de modo a obter informações acerca da sintomatologia, de modo a estabelecer o diagnóstico, o prognóstico e o roteiro de tratamento mais adequado.


Parece perfeito, não é mesmo? Empregar as melhores técnicas, roteiros de entrevista para então estabelecer o tratamento mais adequado... A princípio parece algo simples e bom em si mesmo. Mas há inúmeros problemas relacionados a essa prática. No campo da medicina, é muito mais comum que se saiba a etiologia das patologias com que se tem contato no consultório. Quando se apresentam sintomas de uma síndrome viral, de uma infecção bacteriológica, de uma ação parasitária, de uma alteração hormonal ou anatômica, a medicina é capaz de identificar pontualmente a disfunção e sua origem, e então tratá-la.


Mas a Psiquiatria é como uma espécie de "pária" dentro da medicina. Por se tratar de uma "terapêutica da alma", assim como a Psicologia, a identificação da causa dos transtornos mentais é muito mais complexa, e o resultado muito mais obscuro. O que temos desde o DSM-III, em verdade, é apenas um agrupamento de sintomas, uma "sintomatologia". Pois desde a terceira versão do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) foi abandonada a ideia de uma etiologia para os transtornos mentais. E, desde então, o mais comum é que o tratamento farmacológico seja utilizado para tratar sintomas e não quadros como um todo, justamente pela impossibilidade de compreender a totalidade de fatores envolvidos e estabelecer a etiologia.


Feita essa pequena digressão, volto à entrevista inicial em psicoterapia: Qual seria o problema, afinal? Vou descrever o problema trazendo a fala de um psiquiatra, que ouvi durante uma palestra em um congresso. Esse psiquiatra, que faz parte de um órgão de saúde voltado à recepção e tratamento de pessoas em risco de suicídio dizia: "É muito fácil identificar o que está em questão quando chega alguém lá no gabinete com uma demanda relacionada a suicídio... Em 5 a 10min você identifica que se trata de uma depressão, um transtorno afetivo bipolar ou um transtorno de personalidade!"


Enquanto ele se gabava de sua capacidade em identificar quadros psicopatológicos a minha reação era de simples estarrecimento. Em termos objetivos, ele fez o que se costuma fazer e aquilo que é valorizado pela medicina: identificou os sintomas, delimitou o quadro, estabeleceu um diagnóstico e aplicou o tratamento mais adequado. Contudo, ele pecou justamente no que preza a Psicologia fenomenológico-existencial: a capacidade de escuta.


Ao diagnosticar um quadro em 5 ou 10min ele simplesmente foi incapaz de ouvir o que a pessoa tinha a dizer sobre si, seus dilemas e sua condição. Isso porque ele estava mais preocupado em identificar, no discurso e no comportamento, elementos que apontassem os sintomas de um possível quadro psicopatológico. Além disso, acaba empregando uma série de preconcepções que são problemáticas, como a ideia de que toda pessoa que pensa em suicídio está acometida por um transtorno mental.


Exposto o problema, então como resolvê-lo? Qual seria a grande contribuição da Psicologia fenomenológico-existencial para a prática da entrevista inicial? Eu diria que ela tem a contribuir no exercício da escuta paciente. Em geral, quem procura ajuda psiquiátrica ou psicológica tem uma queixa muito forte, que a impele a buscar ajuda. A tendência geral é que ela queira falar sobre isso sem muitas interrupções ou julgamentos.


Dessa forma, o que recomendo, em um contato inicial, é permitir à pessoa falar livremente sobre seu problema, mantendo a atenção na queixa apresentada, e em como ela se relaciona com as diversas dimensões existenciais dessa pessoa que busca ajuda. As perguntas que devem passar pela cabeça do(a) terapeuta na entrevista inicial são:

  • O que motivou essa pessoa a buscar ajuda?

  • De que ela se queixa?

  • Onde dói?

  • Como dói?

  • De que modo essa queixa se relaciona com os outros elementos trazidos na fala e na interação como um todo (vestimenta, comportamento, humor)?

Tendo clareza dessas questões, então nós podemos planejar o modo como deverá se desenrolar inicialmente o tratamento. E digo inicialmente porque as demandas podem mudar ao longo do processo, e as perguntas devem ser recolocadas.


Além disso, algum conhecimento em psicopatologia fenomenológica pode trazer um auxílio fundamental para o(a) psicoterapeuta. E quando falo de psicopatologia não me refiro à nosografia dos quadros psicopatológicos, mas sim das dimensões avaliativas da existência dessa pessoa que busca ajuda. A saber:

  • Espacialidade: de que modo essa pessoa habita o espaço em que se encontra? É um espaço constrito? Um espaço amplo? Qual é a dimensão subjetiva dessa experiência de espacialidade?

  • Temporalidade: como ela vivencia o tempo? Parece faltar tempo, ou sobrar? O tempo parece passar lentamente, ou de forma acelerada? Como ela lida com o passado, o presente e o futuro?

  • Afetividade: como se apresenta o humor? Melancólico? Eufórico? Temoroso? Paranóico? Lembrar que o campo da afetividade influencia as dimensões de espacialidade e temporalidade, pois dá o "tom" dessas vivências.

  • Discurso: como é a fala e o discurso? É coeso? Confuso? Lento? Rápido?

  • Alteridade: como a pessoa lida com outros e o próprio terapeuta? É amigável? É desconfiado? É agressiva?

  • Valores/sentido: O que a pessoa valoriza? Quais são seus valores? O que faz sentido para ela?

Atentando para essas questões, temos então maiores elementos para avaliar a queixa e o modo com a queixa se relaciona com a existência como um todo... E o tratamento consiste na própria tematização da queixa. Ou seja, consiste em fazer boas perguntas, que possam desestabilizar os fundamentos que sustentam a própria queixa, para que novas possibilidades existenciais possam emergir. Contudo, isso só pode ser feito através de muita paciência. E notem também que não é absolutamente necessário estabelecer um diagnóstico, pois as questões são sempre questões da vida, ainda que estejam relacionadas a sintomas de um determinado quadro. A questão é sempre: Como viver a vida que é a minha, com um pouco menos de sofrimento?


Para além disso, temos alguns elementos formais importantes que devem ser explicitados nos encontros iniciais. Nem sempre é possível fazer tudo na primeira sessão, que costuma ser o momento de maior desabafo. Mas é preciso atentar para elas já no início da terapia:

  1. Contrato terapêutico: A resolução 13/2022 do Conselho Federal de Psicologia estabelece a obrigatoriedade de que se firme um contrato verbal ou escrito, que deixe claro para a pessoa atendida a modalidade do atendimento, periodicidade, valores, a questão do sigilo, entre outros elementos importantes. Sugiro a leitura atenta dessa resolução.

  2. Dados pessoais e de emergência: É muito importante montar uma ficha de cadastro do seu consultório, que tenha dados pessoais da pessoa atendida, como nome, cpf, data de nascimento, endereço, telefones e, principalmente, um contato de emergência. A vida é imprevisível, e talvez seja necessário entrar em contato com algum familiar ou pessoa conhecida caso ocorra qualquer tipo de emergência ou imprevisto.

  3. Autorização para atender crianças e adolescentes: No caso de atendimentos a crianças e adolescentes com menos de 18 anos, é obrigatório o preenchimento, pelos responsáveis, do documento de autorização para atendimento em psicoterapia. Um modelo desse documento pode ser encontrado na resolução 13/2022 do CFP.

  4. Pessoas em acompanhamento psiquiátrico: Pode ser interessante, caso a pessoa permita, obter o contato do(a) psiquiatra que acompanha a pessoa, para estabelecer um trabalho conjunto entre o tratamento medicamentoso e o psicoterapêutico.


Caso tenham dúvidas ou sugestões sobre esse tema, comentem aí em baixo!

 
 
 

1 comentario


Muito grata pelos esclarecimentos!

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