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Dos miolos amolecidos ao "brain rot": A atualidade da frenologia, do discurso eugenista e do darwinismo social

Nos últimos dias andei relendo um de meus livros prediletos: O Duelo, de Anton Tchekhov. O livro trata do embate entre duas figuras opostas, de um lado um homem desregrado que vive ao lado de uma mulher casada que abandonou o marido, e do outro um zoólogo com a mente povoada pelas ideias do darwinismo social, tão populares no final do Séc. XIX e início do Séc. XX. Um dos momentos cruciais do livro ocorre quando Nadejda recebe a carta comunicando a morte de seu marido, presumidamente pelo amolecimento dos miolos. Essa causa morte, que nos parece tão estranha hoje em dia, parece ter sido atualizada por outras terminologias pseudocientíficas que trazem enganosamente um ar de neurociências. "Brain rot" foi eleito o termo do ano pelo dicionário de Oxford. Em tradução direta significa cérebro apodrecido, e tem sido utilizado no contexto das redes sociais para designar uma condição de declínio das capacidades intelectuais devido ao consumo excessivo de conteúdos de baixa qualidade e curta duração.


A ideia popular de que um apodrecimento cerebral pode ser causada pelo vício em redes sociais parece uma atualização do discurso frenológico do Séc. XIX, que tentava localizar no cérebro toda e qualquer habilidade humana. Abaixo, vemos uma representação gráfica dessa corrente de pensamento que caiu em desuso, mas que segue deixando descendentes em meio às neurociências.


A frenologia não é o único discurso antiquado a se atualizar no Séc. XXI. Em notícia recente do Intercept tomamos conhecimento de conversas de um grupo de WhatsApp de influente grupo político brasileiro, em que um dos membros defende abertamente o extermínio e esterilização de homossexuais, pessoas em situação de rua e pessoas com deficiência. Ora, se trata aí de um retorno à eugenia e ao darwinismo social, discursos tão populares em séculos passados e que ampararam uma pretensão científica de regimes extremistas como o nazismo e o fascismo.


Na Psicologia, devemos nos atentar à modernização e reedição desses discursos, que tem por finalidade apenas segregar e excluir pessoas tidas como indesejadas. A relação entre frenologia, eugenia e darwinismo social é antiga, mas atualmente observamos uma reedição desse trio.


Já no livro de Tchekhov vemos anunciado, no final do Séc. XIX:


"Não sei. Mas essa lei é tão comum para todos os povos e para todos os tempos que foi reconhecida como organicamente ligada ao ser humano. Ela não foi inventada, mas existe e sempre existirá. Não vou lhe dizer que um dia será vista ao microscópio, mas essa ligação orgânica já está sendo provada pela evidência: o sofrimento grave do cérebro e todas as doenças chamadas psíquicas manifestam-se, em primeiro lugar, na perversão da lei moral, pelo que me consta."


E a tendência parece ter se confirmado. Além do discurso em torno do "brain rot", vemos nas redes inúmeras postagens com referências a neurotransmissores, como dopamina e serotonina. Diversas condições que permanecem sem uma origem biológica confirmada passam a ser reduzidas ao desequilíbrio neuroquímico. O resultado é a transmutação de regramentos morais em distúrbios biológicos.


Sim, regramentos morais, já que diversas sintomatologias presentes nos manuais psiquiátricos não passam de desvios comportamentais. Nesse caso, a eugenia e o darwinismo social parecem ter sido diluídos em um discurso mais sutil. No lugar do extermínio e da esterilização, o controle químico. Para o TDAH anfetaminas, para a depressão inibidores de recaptação de serotonina, para o comportamento agressivo risperidona. As receitas são diversas, mas o objetivo comum é a manutenção do status quo. Evitar comportamentos improdutivos é a bola da vez.


Além de tudo isso, influenciadores justificam comportamentos criminosos com base na "primitividade" da atividade cerebral daqueles que cometeram tais crimes. Esse tipo de postagem sensacionalista acaba por ampliar o raio de influência de discursos pretensamente neurocientíficos, mas extremamente problemáticos em sua gênese.


As neurociências parecem ser um discurso fácil e rápido para diversos problemas sociais. Mas devemos sempre olhar para o passado criticamente e nos perguntar: A quem esses discursos tem servido? Que populações tem sido caladas, controladas ou exterminadas? E mais, a neurociência vai substituir a Psicologia?


Esse post é um pequeno desabafo diante de tanta desinformação nas redes. Mas e você, o que pensa sobre isso?

 
 
 

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